sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Gil Scott-Heron


Uns meses atrás, estava numa festa num clube e me enchi de surpresa e recordações quando o dj tocou "The Bottle" do Gil Scott-Heron.
É impressionante como alguns momentos podem retornar na nossa mente só a partir de um cheiro, um sabor, um som. Maldita memória!, diriam - e eu concordaria, ainda que bem proveitando pra sentir a nostalgia gostosa de um tempo que não volta.
Ali, na pista, senti aquele arrebatamento. Duas soulmates. Sons abafados em fitas k7 gravadas pra simbolizar uma ligação. Fitas que eram mais que fitas - seleções musicais que fixaram um momento, um sentimento valioso. Um romance policial com uma dedicatória à la Beatles - uma leitura sempre inacabada. Conversinhas sobre política e estética que não dava pra ter com todo mundo - 'intelectualismo bobo' diriam. E mil outras sensações escusas que não conseguiria expressar agora nestas poucas palavras - além, é claro, de isso acabar por desviar a atenção para o meu sentimento e não para as músicas que tirei do meu baú... (Mas ainda bem que eu avisei que a egolatria faria parte deste blog!).
Pois então: essa sensação e o post anterior favoreceram que eu retirasse hoje do baú o também revolucionário Gil Scott-Heron.
Pras minhas bees amigas tem coisinhas nos fim do post!


O poeta, músico e escritor Gil Scott-Heron, hoje com 60 anos, destacou-se pelos seus discos que misturavam soul, jazz, blues e spoken word. Isso se deu lá pelos fim dos anos 1960 e na década de 1970 - época em que as discussões políticas invadiam a música dos mais diversos artistas.
Relações de gênero, a força dos estudantes nas manifestações contra a Guerra do Vietnã, o movimento negro - tudo isso ocupava o espaço da opinião pública norte-americana (vocês lembram de Anos Incríveis? Pois então... os EUA já foram mais interessantes).
Scott-Heron tornou-se um ativista dos direitos dos negros, reconheceu a influência de nomes importantes como Langston Hughes e Malcolm X na sua obra.
Seu primeiro disco, Small Talk at 125th and Lenox, é recheado de críticas à cultura de massa, à classe média, à hipocrisia nas relações raciais e também à homofobia. Claro que todo esse clima político acabou afetando também a recepção de sua música ao longo dos anos. Nos fins dos anos 1970 e na década de 1980, sua obra foi rechaçada e Gil acabou por sobreviver nos samples, em faixas de house ou em trabalhos de A Tribe Called Quest e PM Dawn, por exemplo.

As faixas que retirei do baú são dos álbuns posteriores - quatro delas saíram em Pieces of a Man de 1971 e "The Bottle" veio no Winter in America de 1974, com seu sempre parceiro Brian Jackson.

"The Revolution Will Not Be Televised" é sem dúvida alguma um dos grandes clássicos da música contemporânea, faixa considerada a mãe do rap. Trata-se de uma bela crítica a uma sociedade passiva, cuja noção de tempo foi tranformada pela TV: a revolução não vai passar na tela da televisão, não haverá intervalos comerciais, não vai ser representada por atores famosos, não vai ter trilha sonora.
A música é recheada de referências à indústria cultural: da coca-cola ao guru do LSD Timothy Leary, de programas de TV cantores como Tom Jones e Johnny Cash e ao grupo da Motown Rare Earth, de Jackie Onassis a ativistas políticos da época. Há duas versões dessa canção: uma já tinha aparecido no primeiro disco de Gil e tem o clima mais spoken word, a outra saiu como lado B do single "Home is where the hatred is" que disponibilizo aqui também.

"Lady Day and John Coltrane" é uma homenagem a Billie Holiday e John Coltrane e também uma reflexão sobre o poder da música. "Needle's Eye", música linda e pouco conhecida de Gil, parte da metáfora bíblica do buraco da agulha pra refletir sobre desigualdade.

Por fim, temos "The Bottle", cuja letra reflete acerca do problema do alcoolismo. Quando pensei neste post, fui buscar informações sobre o rumo de Gil Scott-Heron hoje em dia. Infelizmente as notícias não são boas. O mestre enfrenta problemas com cocaína há alguns anos e o porte de droga o levou à cadeia no início desta década. Parece que ele conseguiu a liberdade condicional, mas na mesma época em que isso ocorreu surgiram rumores de que estivesse com HIV...
Vale a pena passar os olhos em dois textos que saíram recentemente a respeito de Gil: aqui e aqui, enquanto torcemos para que ele volte com suas melodias e poemas.

Voltando à música: "The Bottle" foi o único single do álbum Winter in America e se destaca pelo clima latino (caribenho?) e pela flauta de Brian Jackson. Canção que me traz boas lembranças, como já falei, a música é um grande hit. Prova disso é seu relançamento na década de 80, as versões covers e as inúmeras citações em muitas outras músicas. Vejamos algumas:

Em 1983, saiu um cover da faixa feito pelo C.O.D. e que vai na linha electro/synthpop, aquele clima oitentista. Dez anos depois foi a vez da banda de soul The Christians fazer sua versão. Dá pra ver a original aqui, mas o que eu tirei do baú foi um remix do papai do techno Kevin Saunderson (que, inclusive, abre a coletânea de remixes History Elevate lançada por ele este ano) - tomara que gostem!
O houseiro Kenny Dope (dos Masters at Work) não ficou atrás e sampleou a faixa, dando aquela pitada house em "Hittin' the bottle" que saiu em 2000.
Finalmente, em 2001, Ce Ce Peniston também sampleou a faixa. Com Steve "Silk" Hurley na produção, "My Boo" tem clima garage house e hoje é dedicada especialmente pras beees amigas! Se joguem, lindas!

Beijos de Babooshka

2 comentários:

  1. Obrigada pelo post! Meu dia começou lindo, ensolarado e embalado por Gil Scott Heron graças a vc (pelo menos a parte musical rs)...bjs!

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  2. Juno!

    Muito obrigada!
    seja bem-vinda ao baú!
    volte mais vezes - temos muitas coisas ainda pra retirar dele!

    beijos de Babooshka

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